quinta-feira, 3 de março de 2011

O Valor da História - Túlia Machado

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Não é certamente por acaso que se verifica actualmente, em todas as idades, um interesse crescente pela História nas suas várias formas de divulgação: televisão, cinema, biografias, romances históricos, banda desenhada...

Paralelamente, o enorme desenvolvimento dos meios de comunicação e dos transportes, ao mesmo tempo que permite e facilita as relações à escala planetária e o enriquecimento cultural dos indivíduos, arrasta consigo o perigo de contribuir para uma aculturação de massa que dificulta o discernimento, por parte dos educandos, dos valores e cultura próprios da sua civilização. Atravessamos, assim, um período complexo em que somos aculturados pelos mass média e pela publicidade, factores poderosos de manipulação e despersonalização.

A par destes fenómenos, cada indivíduo sente angústia da procura de uma identidade pessoal e interroga-se então sobre si próprio, na busca de raízes que o justifiquem e o liguem a algum processo integrador. Sociedades e nações atravessam também, neste final do último século do segundo milénio, uma crise de valores, reavivando e preservando o que, na memória colectiva, constitui a “identidade nacional” que é necessária à estabilidade emocional e à capacidade de crescimento de qualquer comunidade.

Curiosamente, os mesmos alunos que não perdem esta ou aquela série histórica, entusiasmando-se com ambientes e costumes evocados pelo cinema ou televisão, bocejam perante os programas e os manuais, manifestando um certo alheamento pela História, não lhe reconhecendo a utilidade que atribuem a outras disciplinas.

Para além dos problemas metodológicos e das práticas pedagógicas, parece-me que este gosto pelo passado histórico é um sintoma significativo da busca de alternativas à sociedade massificadora e cada vez mais impessoal em que vivemos, tal como da procura de referências do imaginário e do simbólico que permitam escapar a um universo mental excessivamente racionalizador.

O que me parece importante reter destas reflexões é que todos aqueles que ensinaram História não podem e não devem alhear-se destas questões em nome do carácter científico das aprendizagens que a Escola proporciona.

Pelo exposto se compreende como se torna importante que a Escola de hoje prepare para a autonomia e, cada vez mais, a didáctica tradicional ceda lugar à auto-instrução que permita a cada um encarregar-se de si próprio.

Toda a comunidade escolar – professores, alunos e pais – sente que a Escola está em perda com os saberes paralelos, os interesses dos alunos, as exigências sociais, as competências exigidas pela evolução técnica e científica. Daí, a urgência de fazer da Escola um verdadeiro espaço educativo, um tempo de desenvolvimento global onde nasça e cresça o gosto por aprender, o respeito pelo trabalho, a autonomia e a solidariedade.

A História oferece um campo específico para o desenvolvimento de determinadas capacidades essenciais à formação de um indivíduo que compreende a realidade social e participa na vida colectiva; visa finalidades específicas, algumas das quais não podem ser alcançadas por outras disciplinas, pois constituem um campo mais englobante e menos impessoal que os outros saberes científicos, porque: lida com a realidade social vivida, perspectiva os factos nas suas interacções dinâmicas, proporciona o contacto com a dimensão evolutiva das sociedades e, de forma indirecta, permite a vivência de tensões, conflitos, sentimentos e valores. Daí decorre o seu papel na formação dos indivíduos, no desenvolvimento do seu sistema de valores, na criação de um imaginário comum, na construção de uma identidade colectiva que se inscreve no contexto de Nação, e no contexto mais amplo e dinâmico de uma memória multicultural partilhada com outros povos, no quadro de conceitos mais amplos da comunidade.

Poder-se-á perguntar se é assim tão importante gostar da disciplina de História. Porquê a História? Afinal, é sempre importante o aluno estar motivado para o que aprende, qualquer que seja a área de estudo. E, de facto, assim é. Contudo, o que me parece importante destacar é o problema do aluno que não gosta e perde uma das possibilidades mais ricas e gratificantes de se entender como pessoa, compreender a sociedade que é sua, e de se posicionar com uma atitude crítica, curiosa e interessada face ao devir em que participamos; permite, enfim, o prazer de viver, compreendendo.

Conseguir criar nos nossos alunos o gosto pela História e ser capaz de o fazer nos diferentes estádios do seu desenvolvimento, é esse o desafio que se coloca a nós, professores. Trabalhar, então, com alunos do secundário tornar-se-á fácil, se os passos anteriores tiverem sido sólidos e enriquecedores: interrogam-se os factos já sabidos, questionam-se numa abordagem diferente virada para uma compreensão crítica da realidade, na sua diversidade, no processo interactivo que a faz evoluir. As iniciativas aos métodos de investigação, lidando com os documentos, discutindo, interpretando, aparecem então. Assim, os alunos deixarão a Escola, compreendendo melhor o seu contexto social e mais empenhados em continuar a estudar, com prazer, a dinâmica da História em que se inserem. (...)